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DROPS DAS ELEIÇÕES: Liberté, égalité, fraternité

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Essa me foi contada.

Passando por uma rua estreita, sob chuva fina, uma moça sentada tomava parte da vida de quem por ali passava enquanto conversava com o filho que iria votar pela primeira vez:

Vai votar em quem?

No Haddad. Ele é o melhor pra gente.

Mas e o kit gay?

Ah, isso é conversa fiada, nem sei explicar direito. Acho que não é em toda escola que está sendo distribuído.

Lá de dentro grita uma outra mulher:

Isso é coisa daquele deputado Jean Wyllys, aquele francês.

 

Quando me contaram essa tragédia eu lembrei das famigeradas fake news e que a revolução se faz com a tomada das armas e com a decapitação de alguns.

 

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NO COMÉRCIO DOS COMERCIÁRIOS

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Feriado dos comerciários aqui em Salvador. Aqui no Engenho Velho de Brotas o supermercado referência do bairro fecha nesse dia (um dos poucos feriados em que os funcionários tem direito a um descanso). Fui comprar pão e queijo numa padaria cujo pão não me agrada muito. Gosto do alimento milenar bem torradinho e os dessa padaria são brancos demais, parece que economizam no gás ou na lenha. Acabo tendo que torrar o alimento no forno de casa.

Na dita padaria da esquina, o proprietário despachava sozinho, ensacando os pães, pesando, botando o preço, indo pro caixa passar o troco etc.

Sempre ouvindo uma rádio com mensagens evangélicas, cristãs.

O supermercado tal está fechado, eu corri práqui, disse uma cliente.

É, eles fecham no dia dos comerciários e fazem uma comemoração interna com os empregados, depois levam todo mundo pra tomar banho de piscina no sésqui, disse o proprietário contando moedas.

Eles só fecham nesse feriado, disse a cliente.

Chegou um cliente, gordo, sem camisa, dando bom dia a todo mundo, muito do sorridente e bonachão.

Trabalhando sozinho hoje, é?

Rapaz, o menino que despacha o pão não veio, disse que é feriado dos comerciários. Esse pessoal inventa é desculpa pra não trabalhar, disse o proprietário da padaria da esquina ouvindo suas músicas e mensagens da rádio evangélica, cristã.

 

Foto: Cena da performance Eu gosto da América e a América gosta de mim (1974), de Joseph Beuys.

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A ROSA E O GENERAL

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Sob os auspícios do golpe de Estado

e da violenta esculhambação

o país segue assombrado

nessa grande maldição.

Do parlamento um fodinchão,

medroso, covarde, cagão,

engana preto, pobre, rico, crente

e quase toda a população

vislumbrando horizonte sangrento,

uma triste violação.

O supremo com tudo e com todos

fode tudo com pompa, juridiquês

e galardão,

temendo a represália do bafônico capitão, (Aqui entra novamente “cagão” a critério do leitor ou da leitora)

que grita, berra e em mulher mete a mão.

A Rosa, temendo um safanão

teme o general, o fantoche

e o cagão (Aqui entra “capitão” se o leitora ou a leitora preferir)

 

Post scriptum: Essa gente assombrosa de nariz em pé, meu deus do céu, triste Rosa, parece que não tem merda no cu pra cagar. Toca fogo em tudo, criatura! Tira o sutiã e decreta logo a democracia!

Foto: Cena da montagem brasileira da peça O balcão, de Jean Genet.

 

 

 

 

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NÃO FALA, NÃO OUVE, NÃO VÊ

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Ontem foi um momento de reflexão e emoção com a família de Mestre Moa em ato em homenagem à sua memória. Foi homenageado um homem que foi torturado, no largo onde pessoas foram escravizadas e torturadas por pessoas que diziam e hoje também dizem, adorar uma divindade que foi torturada e morta. Moa assassinado por um fã de um político que defende e idolatra torturadores sanguinários em pleno parlamento brasileiro.

Mestre Moa, meu vizinho de bairro, era um senhor tranquilo, a quem eu via esporadicamente pelas ruas do Engenho Velho de Brotas. Eu lembro da infância gostosa ao som dos ensaios do bloco afro Badauê. Aquele carro alegórico todo enfeitado com sisal e símbolos africanos. Lembro de Gilberto Gil com uma estrela na cabeça e Caetano Veloso num desses ensaios. Tudo aquilo era belo, como é a beleza do povo negro aqui na cidade da Bahia e no Brasil. Confesso que senti falta, na homenagem a Moa, dos blocos afro, de suas cores, de sua resistência e dos seus tambores que encantam o Brasil e o mundo. Estariam mudos, amedrontados, cooptados? Não sei. Uma multidão se formou ao redor da família enlutada e dos capoeiristas. No cortejo, todos batendo palmas ao ritmo cadenciado do ijexá e dos berimbaus, aquele impressionante instrumento de uma corda de metal e uma cabaça. Senti falta da fala de uns políticos da resistência e um silêncio constrangedor por parte deles – também formadores de opinião – com a situação de horror em estamos atolados até as narinas.

Ana Paula Carneiro

Me emocionei quando dei por mim. Estava numa homenagem à memória de um homem que fora torturado (sim, apenas pelo fato de ser negro no Brasil, é uma tortura), que fora assassinado brutalmente e pelas costas, ali, no largo encharcado do sangue onde seus antepassados foram torturados muitos até a morte numa estaca de tortura. O assassino de Moa é seguidor de um político criminoso que defende torturadores e assassinos. É seguido cegamente por pessoas que se dizem cristãs, de um cristo que fora barbaramente torturado até o último suspiro. E disse: perdoe, porque eles não sabem o que fazem.

Os daqui sabem muito bem. Fingem não saber, dando vazão a seu ódio, seu ressentimento, ao vazio de suas vidas e à falta de perspectiva dentro de uma fé cega. Eles fingem que não ouvem, não falam e não enxergam.

 

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LÍNGUA PORTUGUESA

TEATRO O CORPO QUE O RIO LEVOU

Para Olavo Bilac

Última dor do artista, bela e fera

És, todo o tempo nascente e cova

Ouro vendido! Democratas uma ova!

A bruta Câmara com canalhas nela.

 

Amo-te sim, velhaca e dura

De povo faminto que foi e é

De fariseus que negociam a fé

Na caiada e podre sepultura

 

Amo tua burrice e quem te embroma

Evangélicos, católicos e povo parvo

Amo-te, ó cristã, intelectual e isentona

 

Da Bíblia patriarcal e punitiva ouvi: meu filho

Jesus chorou no exílio amargo

Vós sois fascistas, eu não vos salvo.

 

Foto: Daniel Teixeira

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DROPS DAS ELEIÇÕES: ESSE COMUNISTA DESGRAÇADO!

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Sei que o comunismo nunca fora posto em prática. Deturpadas por ditadores sanguinários, as formulações de Marx e Engels nunca foram adiante na eterna luta com o capitalismo. E o povo se fodendo no meio.

Eu, como a maioria avassaladora dos brasileiros, cresci ouvindo que os comunistas são sanguinários e atrasados, que somente os EUA são a referência digna, decente e honesta para um mundo melhor. Hoje eu penso: minha deusa, que infância eu tive!

Ontem, passeando com minha cachorra Liuba (nome da protagonista da peça russa Jardim das Cerejeiras, de Tchekov, que prenunciava uma radical mudança social e política naquele começo de século XX com o fim do czarismo e ascensão do proletariado). Então, eu passeava com Liuba quando ouvi o seguinte diálogo:

Eu não entendo nada de política, mas sei que esse homem não presta.

Eu estou em dúvida em quem votar.

Dizem que ele quer matar viados e odeia as mulheres.

Ele deve ser viado!, disse a senhora com o dedo em riste.

Só pode. Quem odeia tanto os viados só pode querer dar o cu e nunca deu.

Ele é racista também.

Mas ele diz que é crente.

Oxente, ele quer que o povo tenha armas e disse que vai matar meio mundo de gente!

Eu nunca ouvi dizer que Jesus era contra as pessoas.

Meu Deus, como é que o povo pode querer votar num homem desses?

Esse homem é…

Imagina o que vai acontecer com o Brasil se esse homem virar presidente?

Esse homem é um comunista desgraçado!, disse a senhora com o dedo em riste.

Respirei fundo e continuei com meu passeio.

 

Imagem: Jesus conduzindo os trabalhadores à libertação, de autor desconhecido.

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DROPS DAS ELEIÇÕES: OKAY

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Ouvindo a conversa alheia no metrô:

 

Porque as ideologias do PT não condizem com as minhas ideologias.

E quais são suas ideologias? Eu pensei que vc fosse de esquerda, tive essa impressão.

Na verdade eu não acredito na política e estabelecida no Brasil, nem nos candidatos, nem nos partidos políticos. Todos corrompem e/ou são corrompidos ao chegar no poder.

Esse é um sentimento real.

Então se o PT não está dando certo, porque insistir no erro? Outra coisa que não engulo também, pessoas que votaram em Dilma e agora levantam a bandeira do #foratemer. Dá vontade de virar e falar me poupe, se poupe e nos poupe.

Nós votamos em Dilma e nele como vice. Para ele levar adiante o projeto dela e do PT, não pra ele trair ela porque ela não aceitou o projeto dele, o “ponte para o futuro”, que é o que estamos vendo.  Vc não arranja um namorando esperando que ele te traia.

Okay.

O golpe de 2016 é da elite daqui com apoio dos EUA, por causa especialmente do nosso petróleo e de nossa água.

Okay.

Mas o voto, a eleição, os partidos políticos ainda são a melhor forma de manter a democracia e tentar mudar alguma coisa.

Okay.

O que falta mesmo é a mobilização popular.

Okay.

Hahahahahaha…

Infelizmente esse é o jogo deles: criminalizar a política, demonizar especialmente os partidos e a esquerda. Deixar as pessoas apáticas.

Okay.

Chegou minha estação. Eu desci. Perdido na desesperança.

 

Imagem: performance Imponderabilia imponderabilia, de Marina Abramovich e Ulay.

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DROPS DAS ELEIÇÕES: UMA PÁ PARA CAVAR A PRÓPRIA COVA

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Impossível não falar dessas eleições malucas que estamos vivenciando. Estamos no olho do furacão da história.

Graças!

Que bom!

É tanta gente dizendo namastê e se mostrando fascista…

Tanta gente pedindo bênção e axé e apoiando bancadas de bala e bíblia…

Tanta gente adorando o Jesus torturado e saudando torturadores…

Muita gente de família, decente, distinta não vendo a hora de pegar em armas para assassinar o próximo…

Muito sentimento de uma escravidão oficializada. Porque a real está aí no mercado de trabalho, na exploração da mão de obra do trabalhador praticamente escravizado.

Coerência é palavra que inexiste no dicionário do povo brasileiro.

Como imaginar que o país do carnaval viveria dias tão tenebrosos? Vi rapazes de 16 anos que irão votar pela primeira vez – por puro capricho, porque para eles o voto é facultativo. Irão votar em um candidato que defende o “estado mínimo”. Rapazes do subúrbio de Salvador, onde o estado sempre foi mínimo!

Fiquei sem palavras.

Por que esses meninos não fodem mais e deixam pra votar aos dezoito anos?

Ontem um rapaz que lava carros na rua com aquelas máquinas que jorram vapor de água. Ele se diz evangélico, é negro e iludido com o fascismo e com seu autoritarismo e sede de sangue dos incautos. Evangélico, negro, pobre, lavador de carros. O que eu teria a dizer?

Fui cruel: seu voto será a pá para cavar sua própria sepultura!

Tá amarrado em nome de Jesus!, ele disse.

Você deveria lavar a boca com esse jato d’água ao falar de Jesus depois de citar o nome desse sujeito que pretende votar.

Ele se calou. Eu também.

 

Imagem: Alonso Sedano – Flagelacion