Esse itan, aqui adaptado por mim originalmente para o espetáculo Usina Griô, do Grupusina de Teatro, do qual faço parte. Foi uma pesquisa que fizemos sobre a mitologia dos orixás do candomblé e resultou naquela encenação.
Desde sempre, Ossãe conhecia o segredo de todas as folhas; quem lhe deu esse dom foi Olorun, o criador supremo de tudo o que existe.
Por isso, Ossãe se gabava e se aproveitava de seus poderes. Quando um de seus irmãos orixás ia em busca de uma folha para curar um de seus filhos, Ossãe sempre criava um obstáculo:
– Venha amanhã! Estou muito ocupado.
– Você quer folhas numa hora dessas? Estou com sono, venha depois.
– Você não avisou que vinha. Não posso te dar folha nenhuma agora!
Os orixás começaram a ficar intrigados com aqui, ficaram muito zangados porque seu irmão Ossãe lhes negava vez ou outra as folhas e somente ele sabia o segredo delas. Então, a pedido de Xangô, deus do trovão, eles se reuniram para resolver a situação.
Isso não pode ficar assim!, disse Xangô soltando fogo pelas ventas. Nosso irmão sempre arranja uma desculpa para nos humilhar quando precisamos das folhas!
Ontem mesmo eu precisei de algumas folhas para curar uma doença de um filho meu e não consegui porque ele disse que já era tarde!, disse Oxum revoltada.
Mas foi nosso pai Olorun quem deu o segredo delas para ele, Ele sabe o que faz!, disse Iansan.
Mas ele tem a responsabilidade de dividir as folhas com a gente, somos seus irmãos e irmãs!, disse Oxóssi.
Xangô teve a solução: pediu que Iansan fosse até o local habitado por Ossãe e pedisse a ele que dividisse com todos os segredos das folhas. Iansan era hábil com as palavras, saberia negociar muito bem.
Iansan assim fez, concordando com a ideia de seu marido Xangô. Chegando à porta da habitação de ossãe, pediu agô!
Iansan – Ê Ê ewe ô!
Ossãe – Eparrei!
Iansan – Agô Ossãe
E então, o que quer de mim minha irmã?
Meu irmão, vim te pedir agô, licença, e trazer um recado de nossos irmãos. Todos estão zangados porque você se nega muitas vezes a nos dar as folhas que precisamos para atender os pedidos dos nossos filhos humanos, a quem cuidamos e protegemos. Nos reunimos e decidimos que eu deveria vir aqui te pedir para que divida com todos nós o segredo das folhas, assim não precisaremos mais te incomodar.
Ah, dito isso, Ossãe se revoltou, ficou furioso.
Jamais! Quem me deu o segredo das folhas foi nosso pai Olorun. E eu não dividirei com ninguém. Nem hoje e nem amanhã! Portanto pegue seu caminho de volta minha irmã e dê o meu recado.
Ah, quando ele disse isso, tão cheio de si e de orgulho, Iansã ficou revoltada com a desfeita. Sacudiu sua saia, provocando uma ventania e um redemoinho tão grande que abarcou todas as folhas de todas as árvores de todas as florestas; todas as folhas se desprenderam dos galhos e se misturaram. Ossãe ficou aflito, corria para lá e para cá gritando Ewê ô! Ewê ô!, que significa Oh, folhas, Oh, folhas! Mas as folhas não obedeciam mais o seu comando, eram levadas pela força dos ventos de Oiá, a rainha dos ventos. Então os orixás vieram e cataram as folhas, cada qual de acordo com sua personalidade e finalidade. Exu por exemplo pegou urtiga e outras mais ardidas; Oxóssi pegou alecrim e manjericão, Ogum a que mais se parecia com sua espada; Yemanjá as que se pareciam conchas e assim por diante. E foram embora.
Ossãe ficou muito triste com o que aconteceu e decidiu ir pedir desculpas a seus irmãos.
Meus irmãos… Quero pedir desculpas a vocês. Nosso pai Olorun me deu o segredo das folhas, mas eu deveria dividir com vocês e não negar como fiz.
Assim, surgiu o mais velho e mais sábio dos orixás, Oxalá e resolveu a questão.
– Meus irmãos, nós precisamos das folhas, mas somente Ossãe conhece bem o segredo de todas elas. Ele continuará sendo o guardião delas e toda vez que um de nós ou algum humano precisar de alguma, terá de pedir agô, pedir licença a Ossãe., disse Oxalá.
– E se algum humano não me pedir agô, licença, a folha não terá efeito algum.
Todos concordaram e disseram em voz alta:
Kosi ewe kosi orixá!
Sem folhas não há orixá!