ARROTANDO NA CARA DO DIABO

FADO, performance de BBB Johannes Deimling – 2008

Hoje mesmo, vindo do trabalho, tive a infelicidade de pegar o ônibus lotado e fazer a viagem toda em pé! No metrô terei mais sorte e irei sentado por toda a avenida Paralela, aquela viagem entediante e deplorável por cima do que antes era uma jardim gigantesco na ex-avenida mais arborizada de Salvador, pensei com meus botões. Eis que de repente, não mais que de repente, entra no coletivo um evangélico, desses que pensam que Deus está com eles e só com eles, que só eles sabem da verdade, aliás, a verdade é só uma e está apenas entre eles. Eu pensei que ele fosse cego, ou fingia ser, pois falava o tempo inteiro com os olhos fechados, nunca se sabe o que vem desse povo. Pensei: oh Senhor, por que me castigas?

E começou a ladainha, que só terminaria em São Cristóvão, pedindo ostensivamente bom dia e fazendo as relações as mais absurdas possíveis. Saudou os católicos, umbandistas, candomblecistas, crentes, espíritas, kimbandistas, maçons e os de uma tal “sociedade secreta”. Disse que nem tudo o que está na Bíblia Sagrada foi inspirado por Deus, porque os homens escreveram a biblioteca de mais de 60 livros. Noventa por cento de seu discurso era sobre mulheres e sexo, essa gente só pensa nisso e naquilo! Disse que a escritura não impede que as mulheres usem calça, pois quando alguém diz lá que as mulheres não devem usar as vestes de homens não se referia a calças, pois naquele tempo elas não existiam. E que em algum lugar da escritura Paulo diz que as mulheres que usam véu não são putas, porque nalgum lugar diz que as putas tinham cabelos curtos, então Paulo as salvou de vender seus corpos e mandou que elas usassem o véu para se distinguir daquelas que continuavam na putaria. Pensei: os cabelos dessas mulheres não cresciam? E se elas sobreviviam com o dinheiro da prostituição, que agora iria mantê-las? Porque, obviamente não eram casadas! E assim foi, chegando a momentos de empolgação, com risos de escárnio e vergonha alheia por parte de muitos passageiros, em especial quando ele parecia falar naqueles idiomas estranhos que eles falam nos templos, idiomas esses que ninguém reconhece ou sabe o que estão dizendo. Para que serve falar em línguas e ter a revelação se ela nunca é traduzida para o nosso idioma? Houve um momento de lucidez, quando ele fez uma relação mística – me lembrou a física quântica e a lei da atração – com o episódio em que o ocupante da presidência do Brasil, o asqueroso Jair Bolsonaro, fez aquele gesto de arma nas mãos de uma criança. Lembra, meus irmãos, que depois daquele maldito gesto, ele levou a facada e aconteceu o atentado a tiros na escola em Suzano?, perguntou o pregador jogando a responsabilidade dos atos funestos no canalha presidente. No final, depois de muito gritar – algumas passageiras, duas ou três gritavam améns a todo instante, parecendo comungar daquilo tudo, no final ele teve a desfaçatez de pedir uma contribuição em dinheiro aos passageiros, pois era um homem santo que vivia de coletivo em coletivo pregando a palavra de Deus e precisava almoçar, comer alguma coisa, tomar uma coca-cola para arrotar na cara do diabo.

P.S.: O metrô estava lotado. Viajei em pé. Cheguei em casa exausto.

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